terça-feira, 11 de março de 2014

Manifesto de uma fã de mulheres


Ouça mais bandas de mulheres.

Se você acredita em feminismo, ou em que mulheres são tão capazes de fazer música boa quanto homens, ouça mais música feita mulheres. Já existe todo um mercado que prioriza homens e que restringe o acesso de musicistas ao cenário musical que lhes é merecido: dê um espaço na sua biblioteca a essas artistas.

Por muito tempo se acreditou (e ainda existem alguns anciãos que insistem nessa teoria) que mulheres não podiam tocar guitarra bem, quase como japoneses acreditam que as mãos femininas são quentes demais para fazer sushi. Talvez daí tenha vindo todo o preconceito que as mulheres receberam quanto tentaram adentrar o mundo do rock e suas vertentes.

Me lembro de assistir uma entrevista com a banda Dominatrix em que Elisa Gargiulo contava que jogaram garrafas de vidro no palco durante uma apresentação, nos primórdios da carreira: mulheres não são bem vindas. Mulheres feministas muito menos.

Mulheres no rock (e suas vertentes) são chaveiros pendurados em jaquetas de couro de rapazes bonitos de voz grave. Mas tudo bem, por que afinal, quem não quer ser a courtney Love de um Kurt cobain, não é mesmo? Você mulher, tem sorte de andar do lado de um cara tão bonito e talentoso assim. Ele poderia ter absolutamente qualquer uma, mas ele escolheu você!

Surgiu um desafio no Facebook que se tratava de listar livros importantes na sua vida. Rapidamente, uma amiga notou que os livros escolhidos pelas pessoas eram predominantemente (quase 100%) escritos por homens, com personagens homens. Ela desafiou as amigas feministas a listarem livros que tenham lido, escritos por mulheres: foi surpreendentemente difícil. Não porque mulheres não escrevem bem (vou supor que qualquer um lendo este texto saiba disso), mas porque a literatura, assim como (surpresa!) todos os outros espaços na nossa sociedade, é dominada por homens.

Nos últimos dias surgiu também um desafio dos Álbuns que marcaram sua vida. Percebi que os álbuns que marcaram a vida das pessoas (muitas delas mulheres) haviam sido feitos por bandas exclusivamente de homens. Por que as mulheres não estão marcando a vida das pessoas? Por que mulheres não estão se identificando com mulheres?

Nós também sabemos que as mulheres são valorizadas muito mais por seus aspectos físicos do que por qualquer outros: inteligência, perspicia, agilidade, etc. As musicistas estão sempre sendo pressionadas a investirem em sua aparência, não porque mulheres são naturalmente fúteis, mas porque, aparentemente, quando se trata de mulheres e talento, não importa se sua música é do caralho, se você não tem um rosto bonito, sua carreira se torna bem mais difícil.

Uma das coisas que me entristece é ler os comentários do Youtube de qualquer musicista, seja ela do tipo que dança sensualmente com pouca roupa ou que é recatada. Na primeira, seu talento é completamente esquecido (enquanto homens podem tocar sem camisa à vontade), e na segunda, ela é comparada à outras artistas que preferem mostrar o corpo em suas performances. A necessidade dos fãs (e da indústria) em comparar musicistas me choca. A competitividade feminina é estimulada em absolutamente todos os aspectos da vida de uma mulher.

A indústria não suporta ver duas mulheres fazendo sucesso ao mesmo tempo.

Recentemente a cantora Anitta tem feito covers de algumas músicas da Pitty. Anitta canta funk, Pitty canta rock. Ambas são musicistas, de gêneros diferentes, e uma respeita o trabalho da outra. A indústria (e os fãs) não suportaram o respeito (a sororidade!) entre duas mulheres: logo surgiram comparações, entre, obviamente, a aparência das duas e o modo de vestir. Pitty se pronunciou justamente sobre isso, chocada com o fato de que a profissão das duas foi completamente esquecida pelos fãs e, enquanto mulheres, elas foram lembradas apenas como objeto de decoração: dois abajures a serem comparados. Uma diminuída em face da outra. Mulheres não podem coexistir no mundo da música, aparentemente.

Sempre que você disser que ouve uma banda formada por mulheres, defenda-a. Perceba que as pessoas vão criticá-la porque são misóginas. Perceba que a aparência da vocalista vai ser o que vai colocar a banda no topo, e não aceite isso. Fale sobre como a voz dela é linda e te dá arrepios, e sobre como as letras descrevem uma vida que não é sua, mas que voconseguiu entender ao ouvir.

Não aceite que courtney Love seja "a mulher do Kurt cobain". Não aceite que as musicistas sejam acessórios da indústria musical, musas de homens tristes que decidiram morrer.

Fique acordado até de madrugada ouvindo a voz de mulheres que nunca vão chegar nas rádios brasileiras. Rebole sim ao som das que decidiram mostrar o corpo, e chore ao som das que tiveram o coração destruído por um cara que não valia a pena. Ouça as musicistas. 

Ouça as mulheres.

sábado, 8 de março de 2014

Dia Internacional de Luta das Mulheres

No Dia Internacional da Luta das Mulheres as pautas são tantas que fica difícil focar. A opressão contra mulheres é tão ampla e violenta que o movimento feminista não conseguiu em tanto tempo de existência no Brasil garantir um dos direitos básicos da saúde feminina: o direito ao aborto legal, seguro e gratuito. O significado que isso carrega vai além da capacidade dos corpos das mulheres de "gerar vida": esse debate diz respeito à autonomia da mulher e sobre o quanto ela é dona de seu próprio corpo em pleno 2014.

Além das questões básicas de saúde pública, a luta pelo direito das mulheres de fazer o que quiserem com o seu corpo vai além, embora muitos não entendam isso. A liberdade sexual, a de ir e vir, de divertir-se e de tratar sua aparência como bem entende também nos é restrita. Não há lei que puna a mulher que faça sexo "demais" ou com "muitos" parceiros, mas o julgamento da sociedade patriarcal é tanto que nossa sexualidade é tolhida e inibida, e torna-se difícil (impossível, eu diria) distinguir o que de fato escolhemos para nós mesmas.

Nós desejamos um homem só para a vida toda, ou aprendemos que, se não desejarmos, perdemos o status já não muito gracioso de mulher de valor? Aqui falo somente de mulheres heterossexuais, embora lésbicas sejam coagidas e empurradas à uma heterossexualidade compulsória violentíssima.

Em Belo Horizonte, no Bar do cabral, uma jovem alcoolizada foi agredida por um estudante de Geografia. A notícia circulou pelas redes sociais e um professor da Universidade Federal de Minas Gerais comentou o assunto culpando a vítima por estar bebendo, naquele bar. com apenas uma postagem no Facebook, um homem já de cabelos brancos cercou a liberdade de todas as mulheres com acesso àquele conteúdo: a liberdade de ingerir o que bem entende, e a liberdade de frequentar onde bem entender. A segurança nos espaços e o bom caráter dos homens não nos é garantida, e nos cobram que permaneçamos em casa, lacradas, miúdas, fadadas ao divertimento (?) caseiro designado ao nosso gênero porque temos um buraco entre as pernas. Nos veem como vulneráveis e nos encarceram, ao invés nos darem poder. Poder este que quando exigimos somos loucas, exageradas, histéricas, feminazis. Não temos escapatória.

Nossa aparência não nos pertence: somos bonecas do patriarcado, pequenas misses sendo enfeitadas com vestidos cheios de babados e camadas que nos impedem de brincar na areia, correr e andar de bicicleta. Somos adolescentes de cabelo alisado, vomitando as refeições, diminuindo e diminuindo em função de garotos que aparecem na tv e têm o dobro da nossa idade. Somos jovens mulheres que não conseguem transar de luz acesa e que gastam o salário com cabelo, depilação e um par novo de botas a cada inverno: frequentamos o salão de beleza toda semana, mas nunca pagamos por uma massagem relaxante. Somos sempre insuficientes, para nós mesmas, para nossos pais, para nossos namorados e maridos.

Eu que não me calei
Eu que não quis ser objeto
Eu que fui violentada
Eu que sou mulher



O Dia da Mulher, como nossa sociedade o celebra, não pertence à todas. Alguns diriam que pertence à mulheres brancas, cis, hétero e ricas. Eu digo que nem a elas este dia serve, porque nem elas se adequam ao modelo impossível da mulher patriarcal. As mensagens que nos mandam se referem à mães e esposas perfeitas que se desdobram em mil, que não existiam sequer na década de 40. Seremos sempre insuficientes para a máquina patriarcal, não importa como formos. Por óbvio, aquelas que se desviem mais da norma serão maltratadas de ainda mais formas pelos homens, inclusive no 08 de março: elas que serão excluídas implicitamente através do "mulher de verdade". Elas que não são objeto de decoração. Elas que não servem à sexualidade masculina. Elas que não se calam.

Mais um ano de grades invisíveis que silenciam e torturam mulheres, tornando-as frágeis demais até para gritar. Mas, também, mais um ano de luta e empoderamento.

Misoginia não passará!