quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Pequena

TW: esse texto pode ser triggering para pessoas sensíveis com assuntos relacionados à auto-imagem, peso e comida.

Desde pequena me ensinaram a me encolher para que os homens ao meu redor pudessem ser grandes.

No carro que me levava para a escola todos os dias, eu me encolhia porque o dono de um saco escrotal ao meu lado merecia mais espaço do que eu. Eu me machucava, mas isso não importava porque ele tomaria o espaço que era dele por direito.

Eu me encolhia quando os garotos passavam por mim porque bonitas eram as meninas pequenas e frágeis, não as grandes, as Preciosas. Bonitas eram as meninas que aos 11 anos tinham seios e cintura fina, sugestões sutis de uma mulheridade que não me pertencia enquanto uma criança que preferia comer a passar maquiagem. Eu me encolhia porque queria impressionar. Eu não sabia o que era ser heterossexual. Eu não era heterosexual. Nunca fui. Eu queria impressionar homens porque me ensinaram que era isso que eu deveria fazer, porque eu era simplesmente mulher.

Eu não me sentia mulher. Eu me sentia uma criança. Mas me ensinaram assim, então eu encolhia a barriga e empinava o peito.

Riam de mim. Nunca fui suficiente.

Quando aprendi a gostar de homens percebi que gostava dos mais altos, que me carregariam com facilidade, me abraçariam com um braço só.

Eu não precisava ser protegida, mas me ensinaram que meu lugar ao lado de um homem é sempre menor, então eu tinha que parecer pequena, frágil e delicada ao lado de qualquer homem com quem me relacionasse.

O peso também era importante. Pesar mais que um homem era inadmissível; até hoje, comer mais do que homens me deixa extremamente incomodada.

Me ensinaram a me encolher para mim mesma, a deixar de ocupar o espaço pelo que paguei, a deixar de me afirmar enquanto ser humano forte, a deixar de comer o que eu gosto porque 100g a mais no prato significavam que eu era uma porca imunda que come mais do que um homem.

Eu hoje, supostamente curada de transtornos alimentares e ainda me sentindo grande demais.
Homens têm um metabolismo mais rápido, me disseram. Por isso eles podem comer esse tanto e você não. Por isso eles podem ser gordos aos 15 anos e você não. Quando eles tiverem 19, eles vão ter corpos lindos e tudo vai virar músculo: quando você tiver 19, você vai estar se matando pra perder os quilos que ganhou anos atrás.

Nunca me ensinaram o que eu podia e não podia fazer enquanto mulher isoladamente. Havia sempre um paralelo inquietante: o homem pode, você não. O homem é, você não.

Minha vida se tornou um grande paralelo entre os homens à minha volta: coloco meu braço ao lado do de qualquer rapaz e fico triste quando vejo que o meu é maior. Vejo o prato do estranho na balança do restaurante à minha frente. O dele dá R$ 11,80. O meu dá R$ 14,10. Eu engulo o almoço sem felicidade alguma. Quando vejo a foto dos ossos da clavícula de um rapaz branco no Tumblr eu me odeio porque é simplesmente injusto que ele tenha aqueles ossos e eu não. Ele não precisa ser menor que ninguém. Eu tenho que ser menor que todos os homens do mundo.

Senão não sou mulher o suficiente.
Humana o suficiente, talvez. Pessoa o suficiente.

Se eu não for menor, não mereço.

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